Poética da urgência

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Coluna Sem poesia não dá, do Jornal Sobrecapa Literal, ed. março/2011, editado pela escritora Ana Cristina Melo.

 

Poética da Urgência, por Sérgio Bernardo

“A coluna estreia destacando um poema da carioca Paula Cajaty, retirado de Sexo, tempo e poesia (7Letras, 2010).

A 1ª parte do livro – tempo – vem transbordando dessa urgência exigida pela urbanidade: ‘seis e meia / meu tempo acaba’. Diferente de Vinícius, o tempo de Paula não é quando, é já: ‘prefiro sair / … / antes que o mundo termine’. Tudo parece durar menos de um milésimo de segundo: ‘e o tempo seria nada’. Daí a busca pela eternidade: ‘o êxtase / é apenas esse estancado desejo / de permanecer.’, que pode mesmo nem ser buscada, mas aguardada: ‘espero para achar algo que não passe.’

Na 2ª parte – poesia – testemunha-se um diálogo com o ofício escolhido: ‘se sou oca / busco teu olho aflito’, nem sempre fácil de dominar: ‘arrepio ao ler / as linhas que ela não escreveu’. Ela, a poesia personificada: ‘será que ela encantaria / como cheiro de chuva?’. Alguém de quem não se escapa: ‘ele entra nela / todo dia’. Espécie de segunda pele: ‘não apago com borracha / o que me mancha na vida’. Afinal, a poesia está em tudo: ‘poesia quando nada mais há’. E, de repente, tudo vira poesia: ‘poesia quando se quer dormir / mas não se acha lugar’.

Terceira e última parte, em sexo a feminilidade é voz ativa: ‘ela seria a própria vontade de estar / na demora dos dedos’, com dose certa de passividade: ‘só ele me desvenda no prazer’. O amor, posto aqui no mesmo degrau que seu ofício, não conhece normas: ‘faço poesia / como faço amor: / sem regra’. Mas a poeta se entrega (‘dou-lhe uma vida de estrelas’) ou se reserva (‘anoitecida, / me guardo para mais tarde’), administrando a fórmula exata da alquimia feminina: ‘busco a fome de ganhar / sem ser vencida’. A poucos passos do fim, resvala-se num paralelo perfeito entre mulher e poesia não realizadas: ‘virgem – deserta de palavras’.

(…)

LIVRO NA MESA

sua voz adentrou nela
misturada
na sala, quase vazia
enquanto sentia, tomada
o peito golpeado
hipnotizado olho
sem movimento
aferrado àquela frase
e a mais nenhum sentido.

era ele sim era
o livro que a lia
e já se ia perdendo entre folhas.

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